quarta-feira, 26 de novembro de 2008


Implantou-se de forma brusca, sem dor.
Tomou-me conta das cores e afectou radicalmente o meu termóstato.
Alterou-me o ritmo cardíaco e tomou posse da minha vontade.
Suou-me os dedos, as mãos, o corpo e afogou a minha alma em êxtase.
Reforçou-me os sentidos, mas exacerbou-me a saudade.
A máquina humana é hoje outra. Perdi o domínio do sono e os sonhos surgem mistificados de realidades boas demais, incríveis, e impossíveis.
Tento fundir a carne, tanto quanto a alma, e vejo o meu corpo a mutar-se em espasmos de prazer ou em dor de abstinência.
Aumenta o brilho dos meus olhos, e rasga-se a boca em permanente sorriso.
A mente brinca com o presente e desenha futuros de cores novas, que espantam qualquer arco íris.
O tempo voa. E torna-se longo e languinhento na sua ausência.
Os genes encavalitam-se na vontade de se misturar e dar corpo a estas almas fundidas.
As hormonas descontrolam-se e embaraçam.
Um beijo, um simples beijo, é, de repente, uma porta para viagens alucinantes através do espaço e do tempo.
Contraem-se os músculos num esforço de se encaixarem em outros e outros e ainda outros, em movimentos estranhos e confusos, silenciados aqui e ali, por um gemido mais fino, um suspiro mais forte ou um grito mais surdo.
O amor apodera-se de mim.

Soube agora, soube sempre, que o amor é infinito mas que morre.
Tenho câncer no amor!
Este volume todo que o meu corpo adquiriu, por ti, é benigno mas mata.
Sei que acaba, sei. Não quando, não como, mas acaba.
Não na forma mais bela que é esta que sinto sem ti.
Mas na comunhão e na partilha acaba, que o mundo também e eu certamente.
Tenho câncer no amor!
Sem datas, previsões, sem curas, ou correcções, tenho câncer no amor!

E ficarei mais morto que antes de te viver
Ficarei mais pobre que antes de me enriqueceres
Ficarei mais magro de tanto crescer
Ficarei mais só, que único.
Ficarei!

E, lá do alto, ondo moram os amores que perecem de câncer, lá do alto, farei que cresçam outros amores no tu corpo, outros genes e hormonas, calores e transpirações, ritmos cardíacos e ofegantes, farei…

Que o amor não morre, apenas se transforma.

1 comentário:

Sissa disse...

O amor tem essas inúmeras vertentes: é físico, é químico, é concreto, é platónico... Mas quando chega ao campo do metafísico, do universo, para lá das dores, das saudades, das marcas, ao campo do amor simplesmente, no seu estado mais puro, entramos numa outra dimensão. E percebemos que esse estado quase levitativo de sentir o amor, esse suposto cancer, é a fonte mais potente de energia, de vida. Gostei :)