domingo, 21 de março de 2010


Vira tantas vezes os seus olhos, que era deles que se lembrava sempre que uma aflição substituía a permanente alegria em que mostrava viver.
Olhos cansado pela vida dura e marcada pelas pequenas dificuldades que temperam a vida e lhe dão sentido.
Os olhos que serviam de bóia, sobretudo quando os seus disseram fraquejarem nas cores da vida e na nitidez do destino.
Os olhos são a verdadeira janela da vida. São sonda de sentimentos, de emoções. São puros, honestos, são literalmente transparentes. Quem sabe ver a vida nos olhos dos outros teme por aprender que nos seus tudo se pode ver.
E era isso que temia. Mostrar-se ao ver os sues olhos.
Como esconder o brilho da felicidade, mesmo que misturado com o negro do pânico?
Não! Não queria que quem nunca duvidou que a amava, apesar das quebras de confiança que marcaram a dor e a desilusão, não queria que sofresse. Que trouxesse lágrimas que afogassem a tranquilidade que a vida já lhe acostumara a ter.
Chegou perto dela. Mergulhou no seu olhar e com uma voz firme segredou-lhe que era feliz!
Não precisou de muito mais. Os lábios sorriram depois dos olhos. O tempo que a vida leva a percorrer já lho tinha ensinado. Talvez perdesse de vez a sua menina dos olhos frágeis, ou talvez ganhasse uma eternidade que só o amor permite.
Talvez tenha pensado que não estava preparada para aceitar tão estranha opção de vida, mas não deixou que os seus olhos o deixassem mostrar.
Há muito que o sentia.
Pegou na fé que recauchutara na celebração do dia, e decidiu acreditar que as escolhas daquela frágil semente do seu ser, seriam certas, ou pelo menos puras.
Ergueu a voz e protestou como era seu costume. Olhou de soslaio par o seu mindinho em terno momento de humor. Sim, ia vender caro o seu consentimento, ia queimar tempo do seu sono a medir a vida do futuro, mas no fundo do seu olhar ia agora mostrar um horizonte sereno e infinito onde sabia que a sua semente iria fazer crescer canteiros coloridos de suaves pétalas de amor.
Quem sabe se não teria uma outra vida para fazer correr nos carris da vida ainda na força máxima da sua?
A vida é assim, uma caminhada longa e sinuosa feita de pés descalços por cima de toda a folha, das mais verdes e fecundas, as queimadas pelo tempo transformadas em energia e seiva, ou semente e fruto.

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Ciao


Dizem que se esperneia, estrebucha, e agita, pouco antes de morrer.
Há relatos de mortos, bem mortos, que atiram um esticão e se urinam pouco antes de serem devolvidos á terra.
Ainda estou ao teu lado. Vejo agonizar esta vida que percorremos juntos, por tempos.
Ainda há tempo para voltar a abrir os braços e colher a tua dor, rasgada da tua relação utópica e gravemente ferida, distante e tão presente, que te fez cortar com o amor e optar pelo conformismo.
Há tempo para percorrer de novo os campos verdes da esperança que te mostrei no amor que os outros te têm e que tanto te apavora.
Mostrar-te a ti mesma. Mostrar as tuas pétalas plenas de pólen, brilhando ao sol, servindo de escorrega a gotas de orvalho, a vergarem sobre o solo que fertilizas e engrandeces.
Sublinhar os sorrisos que desenhas nos outros, a alegria que atiras às suas pupilas.
Lembro-te paixões e amores que despertaste, momentos guardados entre barreiras, felicidade avulsa que embrulhas-te em sorrisos e laçaste de tons violeta.
Sei que soltaste lágrimas e saudades. Recordo que suspiraste medos e angústias, mas guardo a negrito as tuas vitórias e lutas ganhas, a tua perseverança e a conquista que fizeste de conhecimento e de experiência.
Sinto a tua mão estendida a segurar-me quedas, e vejo ainda os teus olhos debruçados sobre mim a levantar-me do chão, contando que há um sol por detrás de cada nuvem.
Sei caminhos de viagens que fizemos, rotas que inventámos e outras que evitámos por serem perigosas e pouco protegidas.
Espreitei pelo buraco da fechadura da tua vida, mas apenas vi que eras pura e genuinamente simples e angelical.
Certo, também vi fúrias e raivas, amuos e explosões, e nem sempre o vi fazer por bons motivos, mas sempre por emoção e dor.
Ainda estou ao teu lado.
Sei que sangras e que te faltam as energias para todas as batalhas. Vais escolhendo as que podes ganhar e matas as outras, para que se não apoderem de ti.
Mas lutas! E que importa que armas usas, se as empunhas apenas em defesa, mesmo que acabes vencida num campo de batalha que não conseguiste evitar ou contornar?
Fui vento e sombra sempre que erraste. Estive sempre perto a soprar-te para longe do abismo, e a esconder a vergonha ou a suavizar o peso da consciência que carregaste de aventura em aventura.
Tive as tuas dores de barriga nos exames da vida e nas ansiedades dos primeiros encontros. Ouvi-te duvidar de tudo e mais ainda de ti, e dei-te a certeza de que nunca ficarias só entre o deserto e o oásis.
Sinto por vezes o calor do teu corpo agarrado ao meu a segurar as emoções da vida que teimavam em esmigalhar o fôlego do prazer que amealhavas de emoção em emoção.
Liga-nos a confiança e o respeito.
Mesmo depois de pensares que o pisei e que o implodi em um qualquer laivo de loucura ou obsessão.
Estou aqui, ao lado do que resta de ti antes de esperneares o último sentimento que possas ter por mim, amor, raiva ou absoluta indiferença.
Sempre soube que as rosas tinham espinhos e faziam sofrer os mais incautos.
Sei agora que murcham, mirram e se fazem pó.
Mas, agora mesmo, quando te vejo em metamorfose, te vejo encasular e hibernar na linha da vida que queres que deixe, digo-te, grito-te, que a tua semente esta viva e vai crescer.
Um grão de pólen que hei-de levar até ao meu ocaso, até que a noite venha fechar o brilho deste sol que me mostraste um dia e colhi em forma de estrela-do-mar.
Pode ser que vejas, um dia de primavera, este grão tornado flor, a soltar as suas pétalas para além do jardim, extravasando a felicidade que aprendi contigo, mas que semeei sem ti, porque definhaste e partiste deixando o teu pó a fertilizar os passos que darei em direcção ao paraíso, ali mesmo atrás daquela montanha.