sexta-feira, 10 de julho de 2009

Tremor


Segurem-me estou inquieto
o meu sangue congelado estremeceu
gemeu e estava mudo, depois arfou
olhou para ela e sossegou
já descongelado

Estou inquieto porque o vento deixou de ser de ar
é corpo de mulher e nunca pára de invadir
de corroer, de frestas abrir, de velho e novo me fazer
e penetrar

Estou inquieto porque o tempo que era feito de segundos
pára agora uma vez por segundo e a seguir repara
no segundo anterior ao que se segue até perder as regras
e deixar de ter tempo para ser tempo: o tempo passou
a ser mulher

E ela, que nem sequer tem tempo para existir tão fundo
como eu a existo a ela sem fundo de tempo
arrancou-me todos os tampos e estou descoberto,
estou esventrado, estou esfolado e de carnes e tripas à mostra
e quero esconder-me e não consigo, porque a mulher me mostrou.

E se estou inquieto é porque apenas me interrogo
será possível encontrar paz nesta inquietude?
Sou já tão velho, não faz sentido, nada no meu corpo condiz
com o que o meu corpo sente, que não abrange muito para além
dos meus vinte anos de carne, quando a carne era fresca
e a mulher estava longe e eu me divertia a amar raparigas
belas, cheirosas e bonitas, apetitosas e catitas, enfim,
todo o contrário daquilo que agora esta inquietação traz a mim.

Por isso peço às pedras, e aos ribeiros, e às arvores
e sobretudo aos pássaros que me impeçam de voar
acho que esta inquietação pode matar e estou tão vivo
seria pleonasmo, ou no mínimo a mais estúpida contradição

É que ela é bela, e eu estou lúcido, e simplesmente inquieto,
pois assustado com o meu sangue já em lava,
com o meu coração já parvamente vulcão,
com o meu sexo já automático, logo a seguir ao estágio
na oficina onde esteve em revisão

E estou inquieto, porque a mulher está longe,
e eu perto, e o céu está debaixo dos meus pés,
e no entanto nada voa porque merda, porque crueldade,
porque tudo é tanto e tanto é tão difícil, então
socorro, alguém me ponha os pés no chão

Estou inquieto, estou aberto, estou trancado e arrombado
o vento entrou e se fez fêmea no macho que trago a tiracolo
eu que de machos nada entendo e de fêmeas nunca aprendo
o essencial que é esperar que o vento amaine, eu sobressaltado,
assaltado por amor, estripado por feridas que não mais sararão.

Estou doente, estou tão lúcido, não é que o vento me sacuda
é o sangue que me envenena já, e se eu morrer que seja lenta
a morte com que agora vejo o mundo por esta lente
que me inquieta me descongela me obriga a ao mundo inteiro abraçar
pois já parti, já sou amante, já nela me consumi, já fervo como diamante
e a mim próprio frente ao vento jurei tudo lapidar.

Por isso peço se ainda algures alguém me ouvir:
falta-me o mergulho. Tragam-me o mar.

Manuel Cintra, 9 de Julho de 2009.

terça-feira, 7 de julho de 2009

Esperança


Sei que não passa de uma imagem.
O verde que o longe me mostra, é agua, apenas agua.
O seu fundo de algas a a profundidade da visão é que me constroi o verde na alma.
Aqueles que se debruçam sobre a água,numa atitude de submissão a tanta beleza, são árvores de copa baixa, verde, dobradas pelo vento. E não se fundem. Não são verdes diferentes.
Talvez por isso quando reparo nos teus olhos os não vejo reflectidos. São um outro tipo de verde.
Mas nos teus olhos vejo lagoas, maiores ainda que estas, mais profundas, mais contempladas, mais frescas e mais doces.
Nos teus olhos vejo-me de negro, fugindo de tanta esperança.
A minha esperança acaba de morrer afogada em mim.
O que a minha alma sente, dobrada sobre ti, submissa á tua vontade, é que não passas de uma distante imagem, que a minha vista pensa existir.´
Não há mais esperança no verde dos teus olhos, que a minha alma morre afoga em ti.