quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Ciao


Dizem que se esperneia, estrebucha, e agita, pouco antes de morrer.
Há relatos de mortos, bem mortos, que atiram um esticão e se urinam pouco antes de serem devolvidos á terra.
Ainda estou ao teu lado. Vejo agonizar esta vida que percorremos juntos, por tempos.
Ainda há tempo para voltar a abrir os braços e colher a tua dor, rasgada da tua relação utópica e gravemente ferida, distante e tão presente, que te fez cortar com o amor e optar pelo conformismo.
Há tempo para percorrer de novo os campos verdes da esperança que te mostrei no amor que os outros te têm e que tanto te apavora.
Mostrar-te a ti mesma. Mostrar as tuas pétalas plenas de pólen, brilhando ao sol, servindo de escorrega a gotas de orvalho, a vergarem sobre o solo que fertilizas e engrandeces.
Sublinhar os sorrisos que desenhas nos outros, a alegria que atiras às suas pupilas.
Lembro-te paixões e amores que despertaste, momentos guardados entre barreiras, felicidade avulsa que embrulhas-te em sorrisos e laçaste de tons violeta.
Sei que soltaste lágrimas e saudades. Recordo que suspiraste medos e angústias, mas guardo a negrito as tuas vitórias e lutas ganhas, a tua perseverança e a conquista que fizeste de conhecimento e de experiência.
Sinto a tua mão estendida a segurar-me quedas, e vejo ainda os teus olhos debruçados sobre mim a levantar-me do chão, contando que há um sol por detrás de cada nuvem.
Sei caminhos de viagens que fizemos, rotas que inventámos e outras que evitámos por serem perigosas e pouco protegidas.
Espreitei pelo buraco da fechadura da tua vida, mas apenas vi que eras pura e genuinamente simples e angelical.
Certo, também vi fúrias e raivas, amuos e explosões, e nem sempre o vi fazer por bons motivos, mas sempre por emoção e dor.
Ainda estou ao teu lado.
Sei que sangras e que te faltam as energias para todas as batalhas. Vais escolhendo as que podes ganhar e matas as outras, para que se não apoderem de ti.
Mas lutas! E que importa que armas usas, se as empunhas apenas em defesa, mesmo que acabes vencida num campo de batalha que não conseguiste evitar ou contornar?
Fui vento e sombra sempre que erraste. Estive sempre perto a soprar-te para longe do abismo, e a esconder a vergonha ou a suavizar o peso da consciência que carregaste de aventura em aventura.
Tive as tuas dores de barriga nos exames da vida e nas ansiedades dos primeiros encontros. Ouvi-te duvidar de tudo e mais ainda de ti, e dei-te a certeza de que nunca ficarias só entre o deserto e o oásis.
Sinto por vezes o calor do teu corpo agarrado ao meu a segurar as emoções da vida que teimavam em esmigalhar o fôlego do prazer que amealhavas de emoção em emoção.
Liga-nos a confiança e o respeito.
Mesmo depois de pensares que o pisei e que o implodi em um qualquer laivo de loucura ou obsessão.
Estou aqui, ao lado do que resta de ti antes de esperneares o último sentimento que possas ter por mim, amor, raiva ou absoluta indiferença.
Sempre soube que as rosas tinham espinhos e faziam sofrer os mais incautos.
Sei agora que murcham, mirram e se fazem pó.
Mas, agora mesmo, quando te vejo em metamorfose, te vejo encasular e hibernar na linha da vida que queres que deixe, digo-te, grito-te, que a tua semente esta viva e vai crescer.
Um grão de pólen que hei-de levar até ao meu ocaso, até que a noite venha fechar o brilho deste sol que me mostraste um dia e colhi em forma de estrela-do-mar.
Pode ser que vejas, um dia de primavera, este grão tornado flor, a soltar as suas pétalas para além do jardim, extravasando a felicidade que aprendi contigo, mas que semeei sem ti, porque definhaste e partiste deixando o teu pó a fertilizar os passos que darei em direcção ao paraíso, ali mesmo atrás daquela montanha.

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